Achado sem vida em cela: inquérito não vê crime de policiais na morte de dentista preso por suposta embriaguez em SC
Cesar Maurício Ferreira, de 60 anos, foi encontrado morto na cela de uma delegacia NSC TV/ Reprodução A Polícia Civil informou que não encontrou indícios ...

Cesar Maurício Ferreira, de 60 anos, foi encontrado morto na cela de uma delegacia NSC TV/ Reprodução A Polícia Civil informou que não encontrou indícios de negligência policial na prisão do dentista e servidor público Cézar Maurício Ferreira, de 60 anos, encontrado morto dentro da cela de uma delegacia horas após ser abordado por uma suposta embriaguez em São José, na Grande Florianópolis. A informação foi divulgada pelo delegado responsável pela investigação, Akira Sato, em coletiva de imprensa nesta sexta-feira (1º). A polícia informou, no entanto, que adotará novos protocolos de atendimento após o caso. ✅Clique e siga o canal do g1 SC no WhatsApp O dentista foi preso pela Polícia Militar na noite de 18 de julho por embriaguez ao volante e encontrado sem vida horas depois na delegacia. O laudo da Polícia Científica apontou que a causa da morte foi arritmia cardíaca. Além disso, exames toxicológicos revelaram que não havia presença de álcool no organismo da vítima. A Polícia Militar diz que, durante a abordagem, os agentes identificaram sinais de alteração psicomotora. Por essa razão, Cezar foi levado à delegacia por suspeita de embriaguez ao volante. Segundo o advogado da família, Wilson Knoner, Cézar estava sofrendo um infarto agudo e não foi socorrido adequadamente. Já Sato diz que a investigação concluiu que uma pessoa fora da área médica não teria condições de entender esses sintomas como patológicos. "Por essas razões, não há como falar em prática de crime omissivo, na forma dolosa ou eventual, ou na sua forma comissiva, e também na sua forma culposa", informou o investigador (veja mais abaixo). A Polícia Civil informou que adotará novos protocolos de atendimento para as delegacias receberem pessoas sem condições de responder no momento da prisão, como no caso de Cezar. Essas medidas devem incluir, por exemplo, o preenchimento de um contato de emergência no perfil do cidadão, que passará a ficar disponível nos sistemas dos agentes de segurança pública, segundo o delegado-geral Ulisses Gabriel. Investigação O resultado da investigação é baseado em laudos que apontaram que os medicamentos encontrados no organismo do dentista podem causar sonolência e confusão mental moderada, sintomas que poderiam ser confundidos com embriaguez. Eles também analisaram a gravação em vídeo do interrogatório de Cézar. "Não foram evidenciados atos típicos criminosos, ações dolosas ou ações negligenciais de cunho culposo por parte de todos os servidores envolvidos nessa ocorrência, desde o atendimento no local do acidente até o encontro do corpo do senhor Cézar na cela", informou o delegado Akira Sato. O laudo toxicológico, feito com amostras de sangue e urina, identificou medicamentos usados no tratamento de depressão, problemas cardíacos e diabetes, todos de uso contínuo, segundo a defesa. A vítima também usava marcapasso. Morte de dentista em cela de delegacia Um laudo complementar, solicitado pela Polícia Civil, questionou sobre os efeitos no corpo humano dos medicamentos encontrados. Segundo a perita-geral da Polícia Científica, Andressa Boer Fronza, eles poderiam ser confundidos com sinais de embriaguez. "O perito apresentou que os sintomas no corpo humano desses medicamentos podem incluir tontura, fala arrastada, desiquilibrio, confusão mental, sonolência excessiva e coordenação motora prejudicada - que, sim, se assemelham a embriaguez por ingestão de álcool", comenta. Ela afirma há várias possíveis causas para esse tipo de sintoma. "É muito difícil, sem outros sinais ou sintomas sugestivos de doença cardíaca, de constatar um quadro clínico cardiológico grave por um profissional que não seja médico". Relembre o caso Cezar foi encontrado morto na cela da Central de Plantão Policial de São José na manhã de 19 de julho. O laudo feito pela Polícia Científica indicou que a causa da morte foi cardiopatia hipertrófica. Ela é uma doença cardíaca que provoca arritmia. A cardiopatia hipertrófica é uma das principais causas de morte súbita, segundo o laudo. O documento também apontou substâncias como antidepressivos, relaxante muscular, antibiótico e medicamento contra diabetes e hipertensão no sangue do paciente. O documento cita ainda que algumas dessas drogas podem aumentar o risco de arritmias. Os procedimentos adotados pelos policiais militares são analisados em inquérito policial militar, informou a PM. A defesa dos militares se manifestou em nota dizendo que durnte a abordagem, Cezar não relatou qualquer mal-estar ou condição de saúde que justificasse encaminhamento médico. "Ressaltamos que profissionais envolvidos na ocorrência – tanto da Polícia Militar quanto da Polícia Civil – possuem décadas de atuação e experiência no serviço público. Todos chegaram à mesma constatação (embriaguez) com base nos sinais apresentados", diz. Confira a íntegra da nota da defesa dos policiais: Acompanhamos, na data de hoje, os policiais militares responsáveis pela condução do Sr. Cezar Maurício Ferreira para prestar depoimento junto à Polícia Civil, em razão de sua participação em um acidente de trânsito. Na ocasião, foram constatadas irregularidades como licenciamento vencido, carteira nacional de habilitação fora da validade e sinais evidentes de embriaguez. Antes de qualquer consideração, é fundamental expressar nosso respeito à dor dos familiares e ao luto decorrente da perda. No entanto, diante das informações divulgadas por alguns veículos de imprensa – especialmente aquelas que insinuam condutas indevidas por parte dos policiais militares –, alguns esclarecimentos se fazem necessários: O laudo pericial indicou a ausência de ingestão de bebida alcoólica. Contudo, é inegável que o Sr. Cezar apresentava sinais clínicos compatíveis com embriaguez. A Polícia Militar, cumpre frisar, não realiza exame toxicológico ou pericial, apenas lavra o Auto de Constatação de Sinais de Alteração da Capacidade Psicofísica, conforme previsto em lei. Tal procedimento tem por finalidade relatar sinais observáveis, e não emitir diagnóstico conclusivo sobre embriaguez. Cabe esclarecer ainda que, salvo manifestação expressa do próprio cidadão, não é possível aos policiais presumirem a existência de patologias pré-existentes ou situações médicas específicas. Durante toda a abordagem, o Sr. Cezar não relatou qualquer mal-estar ou condição de saúde que justificasse encaminhamento médico. Ressaltamos que profissionais envolvidos na ocorrência – tanto da Polícia Militar quanto da Polícia Civil – possuem décadas de atuação e experiência no serviço público. Todos chegaram à mesma constatação (embriaguez) com base nos sinais apresentados. O lamentável desfecho do caso trata-se de uma fatalidade, profundamente sentida por todos. Reafirmamos, contudo, que não houve qualquer tipo de negligência ou conduta imprópria por parte dos agentes públicos. Mais provas da abordagem serão devidamente encaminhadas às autoridades competentes para contribuir com a elucidação dos fatos. Delegacia em São José (SC) Carol Fernandes/ NSC TV O que diz a família de Cezar? A família do Dr. Cezar Maurício Ferreira tomou conhecimento, por meio da imprensa, do conteúdo apresentado na entrevista coletiva desta manhã feita pelos representantes dos Órgãos de Segurança Pública, na qual foi anunciada a conclusão do inquérito policial sobre sua morte. Até o presente momento, o Advogado da família não teve acesso oficial ao relatório preliminar ou relatório final e nem aos novos laudos e documentos mencionados na coletiva. Nossa solicitação foi feita ontem. Com a liberação do conteúdo, faremos a análise técnica e jurídica aprofundada que o caso exige. Não obstante, com base no que já temos, é possível verificar que subsistem indagações e questões sem respostas. Sobre isso, faremos uma manifestação detalhada sobre cada ponto da coltiva e do inquérito (e se chegar o material faltante, será incluído), que será apresentada em nossa própria coletiva de imprensa, hoje, às 14h. E independentemente do teor específico do relatório do inquérito, a posição da família e a expectativa da sociedade permanecem inalteradas. A única resposta à altura desta tragédia é a apresentação de um novo protocolo de abordagem policial, revisado e focado em preservar a vida, para que a insana sequência de erros que levaram o Dr. Cezar a uma prisão ilegal e a uma morte sem socorro médico nunca mais se repita. A coletiva era a grande oportunidade que as autoridades tinham para demonstrar com o que realmente se preocupam: com a vida humana, com a segurança dos cidadãos de bem, tal como era o Dr. Cezar. Para se chegar a isso, porém, só existe um caminho: cortar na própria carne. Isso significa que o relatório final do inquérito, para ter credibilidade, precisa ter mapeado e identificado, sem rodeios, todas as causas das ilegalidades e dos erros cometidos. A começar pelo pilar que sustentou toda a tragédia: a alegação de um "odor etílico". Essa premissa foi desmentida pela ciência, mas foi a base para a afirmação da "embriaguez ao volante", para a prisão e para a negligência na interpretação de sinais de um homem que precisava de socorro médico, e não de prisão. Além disso, há muitas respostas que a família e a sociedade ainda aguardam, e que esperamos tenham sido respondidas na coletiva das autoridades e no inquérito: Por que a família jamais foi comunicada oficialmente da detenção ou da morte, numa clara violação do Código de Processo Penal e de direitos humanos fundamentais? Se após a morte foi possível encontrar amigos nas redes sociais, por que o mesmo empenho parece não sido empregado para localizar um parente enquanto ele ainda estava vivo e precisava de ajuda? Se não houvesse a falsa alegação de "odor etílico", o Dr. Cezar teria sido levado para a delegacia ou para um hospital, como mandaria o bom senso? O que acontece com um policial que afirmou existir "odor etílico" em um documento público (usado como base para mandar o Dr. Cezar para a gélida cela) e em dois depoimentos, se o laudo toxicológico provou inexistir álcool no Dr. Cezar? Por que a sua condição cardíaca, evidenciada por uma cicatriz de marcapasso, foi completamente ignorada? Houve constatação e indicação da concentração dos medicamentos encontrados no sangue do Dr. Cezar? A concentração de 00,00000001mg ou 1g de medicamento é irrelevante para determinar se foi a causa da desorientação visível e mal estara que acometeram o Dr. Cezar? Por que ignoraram as hipóteses de um AVC ou de um infarto durante a abordagem, a prisão e todo o período em que ele esteve sob custódia na cela? No interrogatório do Dr. Cezar, a presença física da autoridade mais experiente aumentaria ou não as chances de perceberem a emergência médica? Ou um interrogatório virtual é algo indiferente para fins de chances de evitar a morte de alguém que precisava de socorro? As autoridades de Santa Catarina estão diante de um dilema que foi exposto ao público às 9h da manhã. Ou apresentam uma investigação que gerou um protocolo novo, criado para salvar vidas e que assume as falhas fatais que ocorreram, cortando na própria carne para evoluir; ou se limitarão a uma narrativa superficial, na tentativa de justificar o injustificável: a prisão e a morte de um inocente, cuja reputação não será assassinada. No fim, a escolha é simples: ou as autoridades agem para salvar a sociedade de futuras tragédias, ou agem para salvar agentes públicos das consequências de seus erros. As duas coisas não podem coexistir em um Estado que se pretende sério e seguro para seus cidadãos. VÍDEOS: mais assistidos do g1 SC nos últimos 7 dias